Decisão Interlocutória. Deferimento
liminar.
Vistos etc.
Cuida-se de Ação
Cautelar Preparatória, através da qual o digníssimo representante do Ministério
Público Estadual, aduz que a Federação Pernambucana de Futebol autorizou a
realização de jogos do Campeonato Pernambucano, série A-1, no Estádio de
Futebol Gigante do Agreste, nesta comarca de Garanhuns, para as partidas com
mando de campo do Pesqueira Futebol Clube. Todavia, no último jogo realizado
entre as equipes do Pesqueira e do Serra Talhada, torcedores de futebol da
primeira agremiação promoveram badernas, insultos, quebra-quebra de ônibus,
insinuações de briga entre torcidas organizadas e agressão física a pelo menos
uma pessoa, não evoluindo a situação para uma maior gravidade em decorrência da
intervenção elogiável da Polícia Militar de Pernambuco.
Dessa forma, requereu,
liminarmente, a proibição das torcidas organizadas do clube do Pesqueira de ingressarem
no referido Estádio de Futebol e, ainda, a proibição de charangas ou bandeiras,
inclusive nas imediações do Estádio onde deverão ocorrer as partidas, numa distância
mínima de mil metros.
Junta
documentos de fls. 05/158.
É o que tinha brevemente a relatar.
Decido.
A princípio,
observo que a petição inicial atende aos requisitos do art. 801 do CPC.
A Medida
Cautelar é aquela que se destina à prevenção de lesão a direito, bem ou
interesse jurídico tutelado pelo ordenamento, e pode ser preparatória ou
incidental, mas sempre dependente de uma ação principal ordinária ou de
procedimento específico previsto em lei.
Diferentemente
das liminares proferidas em sede de tutela antecipada, na forma do art. 273 do
CPC, as tutelas cautelares se satisfazem com a presença do fumus boni iuris e do periculum
in mora. Portanto, não exige a comprovação, initio litis, da prova indiciária da existência do direito material
que porventura possa ser concedido por sentença ao cabo do procedimento.
O fumus boni iuris consiste na presença da
plausibilidade do direito substancial invocado pelo autor, bastando que, sendo
plausível a proteção jurídica do direito através de sua tutela específica, o
demandante comprove, seja através de indícios, seja através de presunções, a
probabilidade do direito invocado ser acolhido e ser objeto de promoção em uma
ação principal.
Na Medida
Cautelar o juiz, ao decidir, trabalha com critérios de ponderação, pautando-se
pelo juízo de proporcionalidade (vetor), isto é, deverá analisar se os fins
justificam os meios, desde que, evidentemente, exista perigo ou risco real de
ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação. Destarte, deve o
magistrado perscrutar se o indeferimento da medida trará maiores prejuízos para
quem a pleiteia, no caso em epígrafe para a sociedade garanhuense e para os
torcedores de Pernambuco, do que o deferimento da medida, contra quem ela é
pleiteada.
O Ministério
Público junta aos autos documentos que comprovam a falta de estrutura do
estádio Gigante do Agreste para evitar confrontos maiores entre torcedores
rivais.
Ademais, a
licença de funcionamento do estádio se deu em caráter precário, tendo o ilustre
representante ministerial formulado diversas exigências ao presidente do clube
sete de setembro (docs. de fls. 85/94).
A tabela do
campeonato pernambucano acostada às fls. 143/149 comprova a realização dos
jogos da equipe do Pesqueira nesta cidade de Garanhuns, inclusive tendo sido a
próxima partida já previamente marcada para o dia 13 do corrente mês contra a
equipe do Salgueiro e, posteriormente, nos dias 31 do mesmo mês e 07 de abril
do corrente ano, contra as equipes do Central e Chã Grande, respectivamente.
Os documentos
de fls. 152/157 dão conta da ocorrência de badernas e alterações ocorridas no
Gigante do Agreste no último jogo realizado nesta cidade contra o Serra
Talhada, inclusive com “queixas” de agressões físicas, brigas e tumultos, com
depredação de ônibus e escolta policial do ônibus dos jogadores da equipe do
Serra Talhada.
A situação
narrada nos autos se revela extremamente grave e a ausência de uma medida preventiva
eficaz, por parte do Estado-Juiz, pode resultar em danos materiais ao
patrimônio do Sete de setembro e da própria cidade de Garanhuns, além de poder
resultar em danos e imateriais à incolumidade física e à vida de torcedores e,
fora do estádio, dos pacatos cidadãos garanhuenses.
Sobreleva notar
que este problema gerado por pseudo torcidas organizadas vem a cada dia se
avultando numa maneira, inclusive nazista, de aviltamento da dignidade da
pessoa humana.
Trata-se, na
realidade, da democratização e pulverização da violência que infelizmente marca
o futebol brasileiro e que, por falta de ações mais eficazes do Estado, esse
processo de deflagração e de carnavalização da violência entre baderneiros
travestidos de torcedores se avoluma de uma maneira quase que incontrolável por
parte do Poder Público. Nesse sentido, a Medida Cautelar, ora em análise, deverá
ter o condão de prevenção de maiores danos e de medida repressiva e educativa,
para que se saiba que ninguém, vindo de outros lugares, ousará provocar
desordens nesta cidade.
O Estatuto do
Torcedor, Lei nº 10.671 de 15 de maio de 2003, determina que a prevenção da
violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, em primeiro
lugar, o qual deve velar pela incolumidade física e psíquica não só dos
torcedores, como também, dos cidadãos de uma maneira geral.
Em seu artigo
2º-A, o Estatuto do Torcedor, considera torcida organizada pessoa jurídica de
direito privado ou existente de fato
para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer
natureza ou modalidade. Destarte, a torcida organizada como qualquer outra
organização deve ser disciplinada, ainda que não detentora de personalidade
jurídica.
Nesse diapasão,
não é a ausência de constituição legal e jurídica de uma entidade de torcida
que impedirá o poder público de agir para contê-la na prática de atos ilícitos
criminosos. A personalidade jurídica, pois, não pode se constituir em óbice para
a intervenção do Estado em face das ações criminosas de grupos de fato e,
consequentemente, impedindo que se beneficiem do manto da proteção “legal”, às
avessas, para abrigar baderneiros e criminosos.
A Constituição
Federal, no artigo 5º incisos XVI e XVII, guarnecem os direitos de reunião e de
associação, entretanto para fins lícitos e pacíficos, sendo certo que todo
direito fundamental tem como nota característica importante a sua limitabilidade.
Dessa forma, no Estado Democrático de Direito Constitucional, a liberdade no
exercício de um direito deve ser conformada a outras liberdades e ao exercício
de direitos, também fundamentais, por parte de outros cidadãos. Em suma, para
essa modalidade de Estado, a “liberdade” não se confunde com a “libertinagem”.
A moderna
teoria do direito constitucional, supedaneada no neoconstitucionalismo
pós-positivista, admite a eficácia dos direitos fundamentais horizontalmente,
isto é, nas relações dos particulares em face dos próprios particulares,
inclusive, de maneira direta, sem a necessidade de adequação normativa abstrata
por meio dos termos jurídicos indeterminados de conceito e das cláusulas
gerais, com previsão infraconstitucional.
Diante dessas
premissas, observo a coexistência dos pressupostos necessários para a
concessão, primo ictu oculi, da
medida cautelar liminar como requerida pelo membro do parquet.
Posto isto, por
tudo o que até aqui analisei, e com fulcro nos artigos 801 a 805 do CPC, DEFIRO
LIMINARMENTE A MEDIDA CAUTELAR PLEITEADA, para PROIBIR a presença de
qualquer integrante das Torcidas Organizadas do Pesqueira Futebol Clube, dentre
estas a “Grito da Águia”, a presença de charangas ou bandeiras com mastros, nas
imediações do estádio Marco Antônio Maciel, nos dias de jogos, no raio de mil
metros ao entrono do Estádio considerando a localização da partida de futebol.
INTIMEM-SE E CITEM-SE as
requeridas, através de algum membro que se apresente como seu dirigente, ou em
sua falta, qualquer membro das torcidas organizadas, sobre a presente decisão e
para, querendo, contestar o pedido, no prazo de 5 (cinco) dias, indicando as
provas que pretende produzir.
Caso não se
encontre os dirigentes ou responsáveis pela torcida, INTIMEM-SE E CITEM-SE
por EDITAL.
INTIME-SE, ainda, o
MPPE e OFICIE-SE à Polícia Militar de Pernambuco acerca desta
decisão liminar para cumprimento imediato.
Garanhuns, 08.03.2013
Marcelo
Marques Cabral
Juiz
de Direito em exercício cumulativo na 3ª Vara Cível